Grão Fino: Semana de Fotografia

EXPOSIÇÃO 2023

Tecer caminhos: Nó de encontro

Um pé após o outro,

Fincar

a

raiz

na

lama,

O burburinho,

Sol, chuva, vento. Movimento

O encontro

 

Tecer caminhos: nó de encontro expõe uma coleção de fotografias que remetem à ideia da vida como um processo de constante devir, no qual pessoas, objetos, plantas, fungos, etc., são mais do que meros pontos que se relacionam, mas se desenvolvem ao longo de linhas. A constituir a complexa tapeçaria do mundo, humanos e não humanos se criam e recriam na imanência de relações mútuas (Tim Ingold, 2007).

 

Os praticantes da cidade atravessam ruas, jardins, mercados e outros espaços, a criar linhas imaginárias por onde passam, tecendo os lugares por meio das suas caminhadas e deambulações. O mesmo pode ser dito das plantas que, com as suas raízes, fincam a lama e trilham a terra ou a água, e com os caules, brotos e flores trilham a luz e o vento. Ou os fungos, que numa colaboração silenciosa de micélios rizomáticos, se espraiam pelas superfícies de troncos e galhos e estabelecem um emaranhado subterrâneo de nutrientes e de sustentação de ecossistemas.

 

Pensemos nos fluxos diários das e dos feirantes que se deslocam pelas manhãs bem cedo das suas casas e, por vezes de cidades circunvizinhas, para encontrar outras trajetórias: as dos vegetais, legumes e frutas frescas, que vindos da terra são transportadas dos centros de abastecimento às bancas de mercado, até cruzarem outras rotas de negociação, compra, redistribuição e descarte.

 

Para além das linhas de vida de flores, frutos e fungos, uma série de atores que, usualmente, são os primeiros alvos da assepsia dos projetos de revitalização, ganham protagonismo nessas fotografias: os vendedores ambulantes, os catadores de resíduos e moradores de rua. Mas, também, objetos revelam e sugerem histórias, seja dos bastidores de uma feira ou dos outros usos e vidas sociais que extrapolam as suas funções originais: o carrinho de compras vira abrigo nômade ou instrumento de trabalho e o carro de mão, idealizado para transportar os pesos da terra e do entulho, comporta as hortaliças de uma manhã de compras. Através dessa experiência vivida dos cheiros, contatos, sons, olhares e pés que as práticas e sujeitos que escapam aos mapas, representações e ao desejo de ordenamento do espaço urbano se revelam na sua complexidade (Paola Berenstein, 2012).

 

São múltiplos os percursos, encontros e desvios.

 

Nessa dança da existência, os registros aqui apresentados se desenvolveram mediante uma apreensão corpórea da cidade. Por meio de caminhadas fotográficas realizadas nas cidades de Campina Grande e João Pessoa, um grupo alargado de fotógrafos profissionais, alunas, alunos e outros membros da comunidade acadêmica reuniram-se para capturar, ao longo dos percursos, essa complexa trama do mundo. Organizados pela professora Agda Aquino, da Universidades Estadual da Paraíba e pelos professores Sóstenes Lopes, filiado à Universidade Federal de Campina Grande, e Rostand Melo, da Universidade Estadual da Paraíba, os encontros inscrevem-se pelo olhar de Ana Júlia, Héber Sivini Ferreira, Jhian Felix, João Neto, José Gomes de Andrade Neto, Júlio Cézar Peres, Kauê Moreno, Leonardo Silva, Sofia Mendonça M. de Carvalho, Tatiana Ponce de Leon e Wellington Melo.

 

As caminhadas centraram-se no Jardim Botânico de João Pessoa e na Feira Central de Campina Grande, lugares onde também convergem histórias de fluxo e transformação de usos, pessoas, mercadorias e ecossistemas. Por um lado, a Feira Central, remonta na sua historiografia ao início da constituição do núcleo urbano da cidade, tendo sido ponto central no assentamento e circulação de indígenas, viajantes, boiadeiros e tropeiros (Peregrino et al., 2018). A feira, que também nômade, funcionou em diversas ruas da cidade (Costa, 2003), atualmente se espalha a partir da sua estrutura central por calçadas e vielas próximas, onde convivem comerciantes informais, tradicionais e empresários. Por outro lado, o Jardim Botânico Benjamim Maranhão, uma das maiores áreas remanescentes da Mata Atlântica em área urbana do Brasil, conflui histórias de dispersão, observação e classificação de plantas e outras espécies, tendo funcionado como núcleo do sistema de abastecimento de água urbano (Brito, E.; Vanzella E., 2018).

 

Não é casualidade que as fotos desses dois encontros entrelaçam-se no átrio da Universidade Estadual da Paraíba, lugar no qual os pontos de circulação de pessoas são integrados à espacialidade do ambiente construído. Neste espaço, as linhas de movimento e caminhada do edifício, priorizadas na experiência estética do espaço, dialogam com a mirada que propomos nesta exposição. Convido-vos a pensar nas imagens apresentadas como mais do que fotografias finais, mas registros de um momento efêmero, um nó de encontro — um emaranhamento. Com olhar atento, remetem às várias narrativas de percursos e (re)conexões visíveis e invisíveis do urbano, do banal, do quotidiano e da natureza, que agora cruzam o seu caminho, do mesmo modo em que se cruzaram às trajetórias de caminhantes-fotógrafos ao longo do encontro fotográfico.

 

Beatriz Duarte

 

REFERÊNCIAS

COSTA, A. Sucessões e Coexistências do Espaço Campinense ao Meio Técnico-Científico-Informacional: A Feira de Campina Grande na Interface desse Processo. Dissertação (Mestrado em Geografia). Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Ciências Geográficas. Recife, 2003.

INGOLD, T. Lines: A brief history. Londres: Routledge, 2007.

JACQUES, P. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2012.

PEREGRINO, LUCAS N.; BATISTA, MÉRCIA R. R.. A FEIRA CENTRAL DE CAMPINA GRANDE (PB) E O CAMPO DO PATRIMÔNIO: Disputas por Espaço e Legitimidade. In: Anais do Simpósio Científico 2017 – ICOMOS BRASIL. Anais… Belo Horizonte (MG): Instituto Metodista Izabela Hendrix, 2018. Disponível em: https://www.even3.com.br/anais/eventosicomos/60065-A-FEIRA-CENTRAL-DE-CAMPINA-GRANDE-(PB)-E-O-CAMPO-DO-PATRIMONIO–DISPUTAS-POR-ESPACO-E-LEGITIMIDADE. Acesso em: 24/10/2023.

BRITO, E.; VANZELLA E. Jardim Botânico Benjamim Maranhão: contribuições para a cidade de João Pessoa. Revista Mangaio Acadêmico, v. 2, n. 2, p. 07–14, 2018.

EXPOSIÇÃO VIRTUAL

Exposição de Ana Júlia Morais, Héber Sivini Ferreira, Jhian Felix, João Neto, José Gomes de Andrade Neto, Júlio Cézar Peres, Kauê Moreno, Leonardo Silva, Sofia Mendonça M. de Carvalho, Tatiana Ponce de Leon e Wellington Melo. 

Curadoria de Beatriz Duarte. 

Impressão das imagens em tecido: Mega Álbum Encadernações Fotográficas

07 a 11 de Novembro de 2023

Hall da Central Acadêmica Paulo Freire (CAPF)  – UEPB Campus Campina Grande.

CURADORIA

Beatriz Duarte

Arquiteta, curadora e investigadora no Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, com apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Desenvolve o projeto de pesquisa “Heranças Contemporâneas Ressignificadas: estratégias de curadoria situada e mediação artística de fragmentos de passados recentes” no âmbito do Doutorado em Educação Artística. É mestre em Curadoria e Museologia (UPorto, Portugal) e licenciada em Arquitetura e Urbanismo (UFMG, Brasil). Investiga e desenvolve projetos curatoriais e pedagógicos como práticas espaciais criticas para mediar heranças contemporâneas e experimentar reflexões relacionados à memória, ao patrimônio, às transformações urbanas, às relações entre natureza e cultura, entre outros.

IMPRESSÃO E MONTAGEM DA EXPOSIÇÃO